Estudantes “esquecem” o que fere seu orgulho
- Fábio Sanchez
- 6 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 20 de nov. de 2024
Estudo da Universidade da Califórnia indica que o inconsciente bloqueia a memória dos alunos, principalmente quando eles "se acham". Por Fábio Sanchez.
A pesquisa divulgada na edição de agosto da revista Journal of Educational Psychology não deixa dúvidas: o inconsciente está “bugando” a memória dos estudantes quando algo estressante acontece. Foi comprovado que o conteúdo ministrado em aulas consideradas estressantes é mais “esquecível” do que o que foi visto nas demais. Mas a pesquisa foi além e verificou que essa relação entre estresse e esquecimento é ainda mais forte entre os alunos que se acham experts, ou que se consideram mais hábeis do que a média.
Os psicólogos da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), acompanharam 117 alunos de um curso universitário de cálculo avançado. Foi pedido a eles, no início do curso, que avaliassem a si mesmos em relação à disciplina, se eles se consideram especialmente hábeis naquela disciplina ou não. E também foi pedido que avaliassem, semanalmente, o nível de estresse nas aulas.
Ao final do período letivo, além da prova de avaliação, os alunos foram submetidos, duas semanas depois, a uma outra prova similar, com o mesmo nível, com o objetivo de verificar se o conhecimento foi fixado ou não.
Na média, os alunos obtiveram uma pontuação 21% menor na segunda prova. Porém, além de se verificar que os que apontavam estresse tiveram a pontuação média menor, foi apurado que os estressados que se consideravam “math people” (que têm facilidade na disciplina) foram ainda pior.
Esse fenômeno, que os autores chamam de “esquecimento motivado” ocorreu porque os estudantes, inconscientemente, protegem a sua própria autoimagem de excelentes matemáticos, avalia Gerardo Ramirez, professor-assistente de Psicologia da UCLA e um dos autores da pesquisa.
Esquecer o desagradável
“Nós temos a tendência de esquecer experiências e memórias desagradáveis que afetem nossa autoimagem como uma forma de preservar nosso bem-estar psicológico. Os ‘math people’ que identificaram o assunto da prova com seu estresse no curso ativaram um trabalho mental para esquecer o que aprenderam”, afirmou Ramirez.
Essa ativação de um suposto “sistema imune psicológico” comprova, diz o autor da pesquisa, a tese freudiana do inconsciente que bloqueia a memória. Não é um caso isolado. Em 2011, por exemplo, um estudo da Universidade de Harvard submeteu alunos a um jogo (resolução de diversos problemas) mediante um “código de honra”. Constatou que os jogadores que pagaram mais a si mesmos durante o jogo e driblaram de alguma forma os procedimentos lembravam-se menos, ao final do exercício, dos detalhes do “código de honra”.
O esquema de Freud para o trato com a memória é um clássico ao qual ele foi fiel até o fim da vida: o trauma é bloqueado e esquecido, torna-se um sintoma até que seja relembrado e o paciente “curado”. Tese simples, que a prática complica, tanto é que o próprio Freud chegou admitir um substituto para a rememoração: a “elaboração” (alguns chamam de perlaboração).
Descartes e a obsessão por vesgas
É preciso dizer que embora Freud tenha “organizado” essa teoria sobre a memória e o inconsciente, seus princípios já vinham se estabelecendo muito tempo antes, como sugere a descoberta pelo filósofo René Descartes, já em 1647, de que sua obsessão por mulheres vesgas devia-se ao retorno frequente à memória do amor de infância por uma menina estrábica.
A proposta da “cura pela fala”, como Freud certa vez definiu sua psicanálise, é buscar na memória reminiscências traumáticas que, de alguma forma, gerem desconforto ou inadequação, e o grande desafio é que esse mecanismo não é consciente. O analista vai buscá-lo por meio dos atos falhos no discurso do paciente, seus sonhos, esquecimentos, nos chistes que faz e, claro, nos sintomas que ele apresenta.
Com certo exagero, Umberto Eco afirma, em seu último livro, recém-lançado no Brasil (Pape satàn aleppe, crônicas de uma sociedade líquida, editora Record): “A vida nada mais é que uma lenta rememoração da infância”. Para a psicanálise, embora a infância seja fundamental, não é preciso chegar tão longe nas reminiscências para descobrir segredos, como mostra a pesquisa da UCLA.
Mais informações sobre a pesquisa, intitulada “Classroom stress promotes motivated forgetting of mathematics knowledge”, em http://psycnet.apa.org/record/2017-07855-001 .
Fábio Sanchez é psicanalista na Granja Viana (Facebook: @psicanalise.granjaviana )
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